Para maior eficiência governamental, os municípios, às vezes, transferem certos encargos para outras pessoas jurídicas, criadas por lei e vinculadas à Administração Pública.
Tal descentralização materializa as autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, regidas umas pelo direito público (autarquias e certas fundações), outras pelo direito privado (empresas públicas, sociedades de economia mista e algumas fundações).
Autarquias e fundações de direito público sujeitam-se à Lei n.º. 4.320, de 1964; registram, ao final do ano, superávit ou déficit de execução orçamentária.
Empresas públicas, sociedades de economia mista e outras fundações submetem-se à Lei n.º. 6.404, de 1976; revelam, ao final de seus exercícios financeiros, lucro ou prejuízo.
Apesar das reiteradas determinações da Contabilidade Aplicada ao Setor Público (CASP), o patrimônio líquido de muitas autarquias e fundações não espelha sua verdade patrimonial, conquanto irreal o valor do ativo imobilizado (falta de avaliação, depreciação, exaustão etc.), sendo que, de outro lado, o passivo não é apresentado sob o regime de competência.
Aquela deficiência contábil, contudo, não pode acontecer nas empresas públicas, sociedades de economia mista e certas fundações, pois aqui os critérios de avaliação do ativo e do passivo dispõem-se, de forma expressa, em lei, ou seja, entre os artigos 183 e 184-A, da Lei 6.404, de 1976.
Bem por isso, tende a ser muito mais realista o patrimônio líquido registrado por empresas públicas, sociedades de economia mista e certas fundações.
Considerando que as empresas públicas e sociedades de economia mista não têm os privilégios concedidos às prefeituras e autarquias, como o dos bens impenhoráveis, inalienáveis e imprescritíveis (art. 173, § 2º, da CF), o patrimônio líquido daquelas empresas responde, sim, por suas dívidas.
Sendo assim, um prejuízo anual de fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista poderá ser justificado por um positivo patrimônio líquido (ativo real líquido), que, mesmo absorvendo o prejuízo do ano, ainda passa positivo para o ano seguinte.
Afinal, o patrimônio líquido serve mesmo para isso: amortecer prejuízos em época de dificuldade financeira para as empresas.
Com efeito, manual produzido pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo1, bem demonstra que, no exame de entidades públicas de direito privado, a atenção se volta para a negatividade do patrimônio líquido, pois que isso representa risco fiscal para a Prefeitura:
Findo o exercício financeiro de tais entidades, o resultado positivo (“lucro”) ou negativo (“prejuízo”) será confrontado com o patrimônio líquido do início do exercício.
Nesse rumo, um ligeiro resultado negativo pode indicar recusa da conta, desde que conte a entidade com substancial patrimônio líquido negativo, nisso considerando que tal desajuste representa óbvio risco fiscal para o ente central do Município (.....).
Elevado patrimônio líquido negativo mostra o estado de insolvência de fundações e empresas estatais (......)
Tem-se visto a situação insolvente de boa parte dessas estatais municipais, com elevado patrimônio líquido negativo, contexto a justificar sua dissolução legal e, via de consequência, absorção de direitos e obrigações por parte do ente controlador: a Prefeitura.
Do contrário, a empresa acumulará encargos sobre o seu endividamento (juros e correção monetária), o que aumenta a dívida municipal e obriga esta Corte a, todo ano, recusar o correspondente balanço.
¹“O Tribunal e as Entidades Municipais da Administração Indireta” (2019). in https://tce.sp.gov.br/sites/default/files/publicacoes/o%20tribunal%20e%20as%20entidades%202020.pdf.